Minhas reflexões, Quando as palavras não dão conta

#604

20 de maio de 2020, Rio de Janeiro, Brasil.
Hoje eu chorei.
Depois de passar por alguns dias ainda mais tensos do que a tensão já familiar da quarentena, eu chorei.
Desde que saiu da minha casa na terça-feira passada, meu namorado começou a reclamar de dores abdominais.
Ele sentia dores assim eventualmente, mas desta vez elas não passaram.
Apesar do receio, marcou consulta com um gastro, que pediu uma ultrassonografia. Isso foi na sexta-feira passada.
Mas leva dias pra conseguir fazer o exame, e ele continuou a piorar.
Resultado: domingo à noite não aguentou, e foi para uma emergência hospitalar.
Sim, em plena pandemia. Mas não dava pra continuar em casa com uma dor insuportável.
Não quis que ninguém o acompanhasse, pelo risco de contaminação do ambiente.
Fizeram exames, e disseram ser uma apendicite. Operação às pressas.
Durante a operação, que em tese é um procedimento simples, encontraram uma hérnia.
Segundo consta, resolveram isso também.
Hoje ele teve alta, foi pra casa. Também não aceitou ninguém por perto.
Pesquisei comida, mercado, farmácia. Ajudei como foi possível.
Mas ainda estou me sentindo impotente e inútil.
Ano passado, quando operei no mesmo hospital, ele estava lá. Foi e ficou até a minha alta.
Eu não pude fazer o mesmo. Me sinto covarde.
Depois de chegar em casa e tomar as primeiras providências, ele sentiu dor de novo.
Me corta o coração.
Minha irmã também está sentindo dor. A raiz de um dente infeccionada. Vai ter que extrair o dente amanhã.
Antibióticos não fizeram efeito, lá se vão praticamente duas semanas com dor.
Temos que agradecer todos os dias por estarmos saudáveis e sem dor.
Porque sentir dor neste momento é uma agonia dobrada.
A dor e o medo de ficar exposto num ambiente de alto contágio.
Enquanto todas essas mazelas acontecem por aí – dor, doenças, mortes, tragédias – a política nacional continua esse circo de horrores em que se transformou.
Eu amo o Brasil. Mas tenho chegado à conclusão de que os brasileiros não merecem esta terra.
Um país continental, com tanto pra crescer, afundado na mediocridade.
Já tivemos, em outras épocas, motivos de orgulho, nos mais variados setores.
Fomos nos apequenando.
E agora presenciamos essa pobreza generalizada, principalmente de espírito.
Uma realidade que seria ridícula, se não fosse trágica.
Não sei vocês, mas eu tenho sentido uma vergonha enorme.
Saudade de quando a bandeira e o hino eram símbolos do país, e não de um grupo com valores distorcidos.
Vergonha. Vergonha define bem.

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